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No dia 16 de janeiro, a Causa Pública, em parceria com a Livraria Almedina, promoveu o debate A “perceção de segurança” e a deriva autoritária, que contou com a participação de Bernardino Soares (ex-presidente da Câmara Municipal de Loures), Flávio Almada (porta-voz do movimento Vida Justa) e Paula Marques (vereadora da Câmara Municipal de Lisboa). A conversa abordou a forma como a sensação de insegurança tem sido explorada para justificar políticas repressivas e reforçar desigualdades sociais. Abaixo, partilhamos textos dos três oradores, nos quais aprofundam as suas perspetivas sobre o tema.

O Avanço do Autoritarismo

Nos últimos tempos, temos assistido a um preocupante crescimento da perceção de insegurança em Lisboa, muitas vezes fabricada por narrativas mediáticas e agendas políticas bem definidas. Episódios isolados são amplificados e usados para justificar intervenções que reforçam a divisão entre “nós” e “outros”, alimentando um discurso de medo e exclusão, muitas vezes direcionado a comunidades específicas.

Um dos maiores desafios da cidade é o crescente autoritarismo, que se manifesta não apenas na ação policial, mas também na forma como os processos de participação cidadã são sistematicamente desvalorizados ou mesmo pervertidos. O desleixo com o espaço urbano, a falta de manutenção do espaço público, a falta de transparência em intervenções urbanísticas e a exclusão de moradores das decisões que afetam os seus bairros, e portanto a cidade, são expressões desse autoritarismo.

Exemplo disso, a par de muitos outros processos, é o que ocorre na Vila Dias, no Beato. Durante anos, a associação de moradores participou ativamente do processo de requalificação, mas, nos últimos tempos, tem sido completamente ignorada. Essa falta de diálogo não é um acaso, mas sim parte de uma estratégia de concentração de poder e desmobilização da sociedade civil.

Essa deriva autoritária não se limita a Lisboa. Em várias partes do mundo, vemos agendas neoliberais que precarizam a vida das pessoas, perpetuando a vulnerabilidade social como instrumento de controle. A crescente presença de discursos e práticas de extrema-direita reforça essa tendência, usando o medo e a insegurança para justificar a restrição de direitos.

Se quisermos uma cidade mais justa e democrática, precisamos de valorizar a participação cidadã e combater essa estratificação crescente. O futuro de Lisboa depende da nossa capacidade de resistir a essa agenda autoritária e de construir alternativas inclusivas e progressistas, onde o lugar central é o dos Comuns.

Texto de Paula Marques

O Mito da Insegurança e a Realidade das Desigualdades

O discurso sobre segurança pública tem sido instrumentalizado para justificar políticas autoritárias e repressivas. No entanto, os dados mostram que não há um aumento significativo da criminalidade, especialmente nos crimes que mais geram sensação de insegurança, como os assaltos violentos. A narrativa do medo é inflacionada, muitas vezes ignorando os verdadeiros problemas que afetam a vida das pessoas: a precariedade laboral, os baixos salários, a falta de acesso à saúde e à habitação.

A segurança pública não pode ser reduzida apenas à ação policial. Um ambiente urbano bem cuidado, transportes públicos eficientes e a presença do Estado nos territórios são fundamentais para reduzir o sentimento de insegurança. No entanto, a resposta das autoridades tem sido fortalecer o policiamento musculado e a videovigilância, medidas cuja eficácia na prevenção do crime é questionável.

Outro ponto preocupante é a forma como as forças de segurança têm sido organizadas e recrutadas. A menor exigência na seleção de agentes e a crescente influência de setores autoritários dentro das polícias são sinais de alerta. Criticar essa estrutura não significa ser contra as forças de segurança, mas sim exigir que atuem de forma democrática e comprometida com os direitos humanos.

Texto de Bernardino Soares

A Periferia como Projeto Político

A desigualdade social e a criminalização da pobreza não são falhas do sistema, mas sim partes estruturantes de um projeto político que mantém certas populações em condição de vulnerabilidade. O Estado de exceção, frequentemente tratado como algo pontual, na verdade, impõe-se como uma norma dentro dos bairros periféricos. A presença da polícia, muitas vezes mais ostensiva do que protetora, reforça esse quadro, evidenciando que o problema não está apenas na segurança, mas sim na forma como a sociedade distribui riqueza e poder.

O fenómeno da segregação social já não se limita às periferias geográficas. Ele avança para o centro das cidades, revelando que a precarização da vida ultrapassa os limites físicos dos bairros historicamente marginalizados. A especulação imobiliária, por exemplo, empurra trabalhadores para condições habitacionais degradantes, enquanto a exploração da mão de obra imigrante reforça a hierarquia social.

Além disso, ao tratar os problemas sociais sob uma ótica médica, sintomas de uma estrutura excludente, como o adoecimento mental e a instabilidade financeira, são encarados como questões individuais. Dessa forma, em vez de enfrentar as causas profundas da desigualdade, transfere-se para o indivíduo a responsabilidade pela sua própria situação.

A perpetuação desse cenário não é um acidente, mas a continuidade de um modelo histórico de exploração. A ausência de um projeto alternativo de sociedade, que enfrente as desigualdades estruturais de forma radical, abre espaço para discursos conservadores e autoritários. O desafio, portanto, é romper com essa lógica e construir uma nova perspetiva política, baseada na redistribuição de riqueza e na valorização da dignidade humana.

Texto de Flávio Almada