Skip to main content

A água está a ficar um recurso cada vez mais escasso. Nestas circunstâncias é necessário priorizar utilizações e ser criterioso nas mesmas. O “modelo” de produção agrícola que se desenvolveu, leva a produzir, para o exterior, enquanto para o consumo regional, faltam as produções. Uma visita aos vários grossistas ou mesmo aos “velhos” mercados municipais locais é muito esclarecedora.

Esse modelo exportador, presta, contributo ao desenvolvimento regional, como seria de esperar? Analisado na perspetiva dos ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável), ou da economia circular não cumpre os pressupostos. Deverá cumprir.

No consumo urbano e numa perspetiva de esquerda, vem sempre à baila a dicotomia público & privado.
A nós parece-nos que podemos introduzir, na perspetiva do “Direito Universal”, o conceito do “consumo per capita da água”. Sendo o mínimo exigido a que todos temos direito. Poderá ser gratuito, para os “mais vulneráveis” e enquadráveis num estatuto de “consumo social”.
Acima desse valor e para os restantes, devem ser repensados os escalões e taxados os valores acima do “consumo per capita”. Parece-nos ainda de repensar e especificar as várias utilizações urbanas. Percentagem significativa desta água é utilizada em lavagens, autoclismo e duches. Para este efeito a água é tratada ao nível da que se bebe (sendo esta menos de 5%/10%). Parece-nos discutível esta forma de funcionamento, para um recurso tão escasso, como já dissemos.

Secas prolongadas e fenómenos de precipitação extrema são realidade há muitos anos no Sul na península ibérica e em toda a orla do mediterrâneo. Todos os trabalhos científicos indicam que esta realidade tenderá a agravar-se, devido às alterações climáticas e à crescente pressão pelos usos (ou não uso) do solo. Neste momento, Portugal não tem uma política coerente de defesa da sustentabilidade dos seus recursos hídricos:

  • Ribeiras e linhas naturais de drenagem estão ao abandono, invadidas por matagal;
  • A agricultura está transformada numa indústria extrativa – explorações intensivas, regadas e dependentes de uso massivo de pesticidas, exploram os recursos naturais – solo e água – para desaparecem quando estes se esgotam, deixando para trás ecossistemas destruídos, aquíferos esgotados e rocha nua;
  • A floresta autóctone está votada ao abandono, sistematicamente substituída por monoculturas com espécies altamente combustíveis, como o eucalipto e o pinheiro – depois de arderem, os terrenos ficam abandonados, sujeitos às forças da erosão e contaminando solos e aquíferos com os resíduos da combustão;
  • A regulamentação do urbanismo parece ignorar a necessidade de respeitar zonas de infiltração, linhas naturais de escoamento e zonas de recarga de aquíferos, não planeia bacias de retenção nem caleiras para rega natural;
  • Os municípios desperdiçam água própria para consumo humano em usos menos nobres e persistem na rega – mal gerida – de jardins com espécies muito exigentes em água, em vez de investirem na sua substituição por outras mais bem-adaptadas à realidade;
  • O abastecimento publico de água para consumo humano entrega água de qualidade em abundância, sem simultaneamente promover a educação dos consumidores, transmitindo que se trata de um bem finito e precioso, nem assegurar o seu adequado tratamento e reutilização…

Por tudo isto, entendemos que este assunto da gestão publica da água deve merecer uma reflexão de índole nacional, prioritária, que contribua para esclarecer todos e promover a adoção de medidas inteligentes e informadas, enquanto se evitam iniciativas oportunistas que têm como objetivo primordial dar milhões a ganhar a alguém, sem contribuir para a real solução de um problema grave, conhecido e com alternativas conhecidas.

Propomos que se debatam medidas urgentes, como por exemplo:

  • Correção de práticas danosas, como desperdício de água, perdas excessivas na distribuição, más práticas, uso de água própria para consumo humano em regas e lavagens;
  • Abandono de projetos capazes de promoverem maior consumo, como construção de dessalinizadoras, barragens (as que existem não ultrapassam os 50%, num ano hidrológico normal), transvases (a abundância de água no Norte que alguns apregoam não é real e os impactos ecológicos e económicos seriam enormes);
  • Controlo de empreendimentos turísticos e agrícolas assentes em grande consumo de água, como culturas intensivas em regadio, golfes, piscinas;
  • Proteção das massas de água subterrâneas, com proibição de construção em zonas de recarga, fiscalização das captações e dos volumes captados, análise criteriosa de novos pedidos, monitorização eficaz (parabéns ao Ministério pelos mais 50 piezómetros, para monitorizar os aquíferos no Algarve);
  • Promoção de práticas de engenharia natural e gestão do coberto vegetal para facilitar a restauração de solo e aumentar a retenção da água;
  • Cumprimento da Lei da Água, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.o 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, e estabelece as bases e o quadro institucional para a gestão sustentável das águas. (ver https://diariodarepublica.pt/dr/legislacao-consolidada/lei/2005- 34506275)

Carlos Cabrita, Emília Costa, Nídia Braz

Texto produzido no âmbito da sessão do núcleo de trabalho da Sáude da Causa Pública realizada no dia 13 de agosto de 2024.