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A crise habitacional tem um epicentro mas é um claro fenómeno nacional
Apesar das diferenças regionais, a excepcionalidade portuguesa na crise da habitação é comum a quase todo o território

No relatório “Portugal tem uma das maiores crises habitacionais da Europa”, publicado em dezembro de 2024 e primeiro de uma série de três, mostramos que os preços da habitação em Portugal mais do que duplicaram – um aumento muito acima da maioria dos países desenvolvidos e do sul da Europa em particular.

No mesmo relatório, também foram realçadas as diferenças geográficas dentro do território nacional, onde as duas Áreas Metropolitanas e o Algarve foram o epicentro da crise. Contudo, estas diferenças implicam que a crise da habitação seja apenas um fenómeno localizado em algumas regiões do país.

Quando comparamos a evolução dos preços da habitação das regiões portuguesas (NUTS III) com os países da OCDE, torna-se notório o carácter nacional da crise. Usando uma estimativa provavelmente muito conservadora – pelo menos metade das regiões portuguesas (que inclui 77% da população, mais de 8 milhões de habitantes) tiveram um aumento de preços real (ajustado à inflação) superior à média da OCDE na última década. Apenas sete regiões (9% da população, 960 mil habitantes) tiveram um aumento de preços mais moderado que Espanha. Somente três regiões, que representam menos de 3% da população nacional (aproximadamente 300 mil habitantes), tiveram aumentos de preços da habitação mais moderados que a média da Zona Euro.

Gráfico 1: Variação real dos preços da habitação 2013-2023 (barras) e peso da região na população total (pontos)

Fontes: Instituto Nacional de Estatística (INE), Valor mediano de avaliação bancária (€/ m²) por Localização geográfica; OECD, Analytical house prices indicators, real house price index; INE, População residente (N.º) por Local de residência (NUTS – 2024). Cálculos dos autores, valores deflacionados usado o deflator implícito da ODDE. *Nota: A variação do valor mediano de avaliação bancária subestima a variação de preços a nível nacional: segundo a OCDE a variação real de preços da habitação foi de 81% e usando a mediana de avaliação bancária foi apenas de 64%. Logo, consideramos muito provavel as estimativas regionais serem bastante conservadoras.

Outra particularidade portuguesa é o forte aumento dos preços reais no período 2021-2023, contrariando a tendência da maioria dos países da Zona Euro. Nos restantes países que partilham a moeda única, fatores como a inflação, o aumento das taxas de juro e fraco crescimento económico abrandaram o mercado imobiliário. Novamente, apesar das diferenças internas, este é um fenómeno praticamente uniforme no território. Apenas a região do Alto Tâmega e Barroso teve um aumento dos preços do imobiliário ligeiramente abaixo da taxa de inflação (-1% real). Além disso, a esmagadora maioria da população portuguesa (94% da população, praticamente 10 milhões de habitantes) vive em zonas em que o aumento real dos preços da habitação foi acima da OCDE.

Gráfico 2: Variação real dos preços da habitação (2021-2023)

Fontes: Instituto Nacional de Estatística (INE), Valor mediano de avaliação bancária (€/ m²) por Localização geográfica; OECD, Analytical house prices indicators, real house price index. Cálculos dos autores, valores deflacionados usado o deflator implícito da ODDE. *Nota: A variação do valor mediano de avaliação bancária subestima a variação de preços a nível nacional: segundo a OCDE a variação real de preços da habitação foi de 81% e usando a mediana de avaliação bancária foi apenas de 64%. Logo, consideramos muito provável as estimativas regionais serem bastante conservadoras.

O crescimento económico de Portugal em geral, e das zonas em particular, não justifica esta disparidade. O crescimento real do PIB das regiões portuguesas (NUTS II, dados disponíveis) tem sido bastante em linha com o da OCDE, de Espanha e da Zona Euro. A Área Metropolitana de Lisboa – a área com aumentos dos preços mais visíveis na última década – tem mostrado um crescimento económico bem em linha com o resto do país, reforçando que o crescimento económico dificilmente será o principal fator explicativo da crise habitacional com que nos deparamos.

Gráfico 3: Crescimento real do PIB (2013-2022) 

Fontes: Eurostat e OCDE, cálculos dos autores. Valores disponíveis apenas até 2022 para as regiões portuguesas; dados indisponíveis ao nível das NUTS III (divisão regional usada anteriormente).

Simultaneamente, os países da União Europeia com aumentos reais da habitação, comparáveis com as regiões de Portugal com maiores aumentos, como a Hungria e Chequia, tiveram taxas de crescimento do PIB muito superiores.

Esta evolução mostra a gravidade da crise da habitação em todo o território. Mesmo que seja um fenómeno concentrado em certas zonas, os seus efeitos não podem ser desvalorizados no resto do país.

¹ A variação do valor mediano de avaliação bancária subestima a variação de preços a nível nacional: segundo a OCDE a variação real de preços da habitação foi de 81% e usando a mediana de avaliação bancária foi apenas de 64%. Logo, consideramos muito provável as estimativas regionais serem bastante conservadoras.
² Referente a 2023. Fonte: INE, População residente (N.º) por Local de residência (NUTS - 2024).

Artigo da autoria de Guilherme Rodrigues e João Reis